sábado, 27 de agosto de 2011

Uma mente viva e flexível...

Na Kaizen estamos a dar início a um tipo de encontros de Instrutores, cuja finalidade é a de “acertarmos agulhas”, ou seja, aproximarmos a nossa técnica base de modo a não haver diferenças substanciais especialmente nas katas.
Este trabalho tem sido interessante. Interessante porque, apesar de não haver grande diferença técnica, há, sem sombra de dúvida, muita diversidade de conceitos, aplicações e interpretações.
Embora a nossa escola seja comum, estamos a chegar à conclusão que os nossos "olhos" dão diferente cor ás coisas. Uma aplicação que para mim tem uma finalidade (salvaguardando todas as interpretações livres que se queiram dar), para outro instrutor tem outra completamente diferente. Isto é normal mas coloca algumas questões e já nem vou falar no que é tradicional ou não, porque essa é uma conversa já gasta - falo apenas dos aspectos de pormenor que nós levamos a vida a enfiar na cabeça dos nossos alunos porque é essa a nossa forma.
Embora sabendo que há alguma "flexibilidade" na aceitação do que é 100% correcto (porque ninguém sabe ao certo o que é 100% correcto), havendo alterações de base num determinado movimento que se treina há muitos anos, tem de haver alteração no seu significado. É confuso? Eu vou tentar explicar o que quero dizer: tomemos como exemplo a nossa kata de base Gekisai Dai Ichi. O mae geri é baixo! Sempre o treinei assim. É ao nível gedan - sempre o treinei assim. Faz parte do conceito de distância do estilo, ou não? O Goju-Ryu identifica-se com o combate a média-curta distância com particular ênfase para a curta distância. As nossas posturas mais altas reflectem esse significado - o nosso hikité próximo dos músculos peitorais também reflectem esse significado. 
Tendo em conta todos estes factores e sabendo a bunkai base desta kata porque é que alguns karatekas (e não estou a falar de principiantes - falo de cintos negros!) teimam em executar os mae-geri acima da linha de cintura e até ao nível jodan? Fica mais bonito? Recusam a aplicação base ou simplesmente "adaptaram" a kata aos olhos dos "papa-competição"?
Dizem uns que o que interessa é a postura, dizem outros que o que interessa é a finalização e dizem ainda outros que nada disto interessa - o que interessa é "estar lá a intenção".
E estamos a falar da nossa kata mais básica, se avançarmos para uma Seipai ou Kururunfa as   diferenças conceptuais são muito maiores.
Então o que fazer? Continuar a executar a técnica como sempre se fez? Modificar a nossa técnica de modo a aproximar-se da generalidade?
Durante muitos anos estive ligado à IOGKF. Enquanto lá estive as coisas estavam definidas de uma forma única e não havia discussão - tirando um ou outro pormenor, todos executavam a técnica baseada numa forma padrão, definida pelo instrutor Chefe que a recebia do Sensei Higaonna. A informação não abundava como hoje e sempre tomei como garantida a "correcção" técnica que recebia daquela associação. Durante anos foi assim. Depois, mais tarde, começam a surgir também pelo Sensei Higaonna, alterações ao que se fazia há anos. Dizia-se então que o Sensei Higaonna estava num processo de investigação e que chegara à conclusão que afinal, era assim! O tempo passa e aparece uma das mais revolucionárias formas de ver o mundo - a Internet. Os vídeos caem na rede aos molhos e, de repente, começa-se a ver o Goju-Ryu de outras associações, feito de forma diferente da nossa - sacrilégio! aquilo está errado! Nunca se fez assim! 
Não estávamos preparados para ver as coisas de outro modo mas sobretudo não percebemos ou demorámos muito tempo a perceber que a "nossa" escola era apenas, mais uma e não a única. 
Hoje, dentro da mesma associação temos diferentes "visões". Porque tivemos o privilégio de treinar com vários mestres dentro do mesmo estilo mas com escolas diferentes. Daí tirámos conceitos e até atitudes relativamente ao treino que absorvemos, aceitámos como correctas e que correspondem aos nossos próprios padrões de treino. 
Eu reconheço que não aceito muito bem a mudança - é um defeito. A mudança, desde que feita com sobriedade, é evolução - mas confesso... não gosto muito de alterar o que faço e me sinto bem  a fazer há muitos anos. Não abraço o "tradicional" porque ninguém sabe o que isso é, mas também não abraço a forma algo anárquica de "fazer evoluir" o karate. Não me interpretem mal, acredito na evolução do karate como forma do próprio karate se enriquecer, não acredito é na bandalheira.
Um dos aspectos mais gratificantes do meu treino é o facto de "começar" a perceber o próprio estilo. Estou numa fase em que me dá muito prazer descobrir as razões de ser de determinados aspectos do estilo. Quanto mais descubro mais percebo o quanto me falta descobrir porque, sempre que "levanto a ponta do véu" descubro outra ponta que me vai conduzir a novas descobertas - nunca vos aconteceu? e isto é espectacular! Como acredito que isto acontece com todos os outros instrutores, imaginem a diversidade e a catadupa de conceitos e interpretações que por aí andam! Agora imaginem a riqueza que representa a partilha de todas estas experiências e ideias! É nesse sentido que dou muito valor a estes e a outros encontros. Hoje, durante uma hora e meia que durou o treino (foi pouco tempo mas foi concentrado!) discutiram-se diferenças que até se consideraram de menor importância mas que representam, afinal, o nosso próprio cunho. 
O que posso dizer como nota final? Vou tentar manter a mente aberta e aceitar mais facilmente outras interpretações - se calhar até vai ser interessante.José Ramalho... abre os olhos! 

3 comentários:

  1. É verdade que cada um tem a sua visão. Ela depende de muitos factores (que poderão ir da antiguidade com que se treina à idade e condicionalismos físicos do praticante). Também é verdade que da discussão nasce a luz. Também aceito que o conhecimento não ocupa lugar. Mas ... (e há sempre um "mas") devíamos ter uma base de trabalho idêntica para toda a Associação, tanto ao nível da forma como se executam as Kata, como das Bunkai base.
    Isto permitiria avaliar todos com base no mesmo programa técnico, independentemente da liberdade que se continuaria a ter para aprofundar outros conceitos (aliás era uma das reivindicações que se faziam à APOGK/IOGKF).
    Enquanto isso, vou continuar a trabalhar a minha mão esquerda...

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  2. Desta vez estou de acordo!

    Mas cuidado, se a mente fica muito aberta algo de inconveniente pode entrar... há que criar filtragens... seleccionar... e optar.

    E ninguém sabe o que é 100% correcto? Há por aí uns iluminados que sabem... talvez aqueles que possuem a visão toldada!

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  3. Peixoto, não percebi (tenho a visão toldada!) - vais continuar a trabalhar a mão esquerda em quê?

    Um abraço!

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