Quando se deu o 25 de Abril eu era um jovem de 15 anos. A ditadura, para mim, era algo que impedia as pessoas de manifestarem o seu livre pensamento e a PIDE (polícia política do antigo regime), estava em "todas as esquinas" à espreita e a escutar, pronta a agarrar aquele que se atrevesse a dizer mal do sistema.
Apanhei pouco de Salazar... os chefes de Estado eram o Prof. Marcelo Caetano e Américo Tomás. A guerra do Ultramar ceifava vidas e destruía outras reclamando para si o jovem fôlego da Nação. Prosperidade? Não, não havia. A vida era difícil. Havia, isso sim, emprego. Quem estivesse disposto a trabalhar tinha sempre forma de o fazer. Os salários eram magros mas era o que havia, e tinha de dar para as despesas.
Hoje, passados 38 anos, há quem faça comparações. No tempo do Salazar é que era! Isto tinha ordem. O País tinha dinheiro.
Não há comparações sequer, a fazer. O nível de vida que hoje temos não é sequer uma sombra do que tínhamos. A tecnologia resumia-se à rádio e à TV a preto e branco com apenas 2 canais. Vivíamos na nossa "ilha" contentes com o que tínhamos porque não sabíamos nem podíamos saber, que se podia viver melhor se não estivéssemos oprimidos.
Deu-se o 25 de Abril. Contentamento geral e euforia. Somos livres! Podemos falar à vontade. Os "heróis de Abril" eram verdadeiras estrelas de cinema. O cravo vermelho assumiu-se como símbolo de uma liberdade conquistada sem derramamento de sangue. Durante os primeiros anos que se seguiram, em nome dessa liberdade, foram despojados do que tinham, pessoas que o mereciam e pessoas que não o mereciam. A "liberdade" assumiu assim, uma face de terror. Expropriações de terras (ocupações) empobreceram uns para enriquecer outros. A liberdade mudou de mãos - só isso. Podíamos falar. Palavras como "povo", "liberdade" e "democracia" enchiam as bocas de todos. Pessoas que optaram por viver no ultramar e os seus descendentes lá nascidos mas portugueses, foram recebidos no seu país quase como criminosos e alojados em "ghetos", passando a ostentar o nobre título de "retornados". Eram pessoas como nós que apenas optaram por viver noutro lugar da mesma Nação, ajudando Portugal a estabelecer territórios longe do continente europeu, mas nós quase lhes virámos as costas.
A classe política estava no topo. Exilados políticos puderam regressar e viram-se transformados em heróis. Agarrados a esse heroísmo, depressa se encaixaram nos diversos governos e fizeram riquezas. A abertura de Portugal ao mundo trouxe-nos outros conceitos, outras tecnologias, outras formas de pensar - mas Portugal ainda não a queria. A liberdade ainda estava a ser saboreada. Não nos apercebemos que, escondida atrás da máscara da proteção, outras polícias nasciam... na sombra. Os políticos e militares sabiam da fragilidade de liberdade agora conquistada. Daí até ao completo domínio por uma classe política corrupta e imoral, foi um passo.
38 anos depois o cenário é de devastação. Devastação mental e moral. Os princípios do respeito morreram. A tão almejada liberdade foi "contida". Pode-se falar, sim senhor. Pode-se até denunciar uma ou duas ilegalidades mas o resultado é um desmentido público com maior alarido ilibando o corrupto e denegrindo a imagem daquele que denunciou o acto.
É verdade que agora, o contexto europeu é mais abrangente e dominador. Os políticos são agora os "nossos" e ou "outros". Apoiam-se e coordenam-se de forma a oprimir mais para proteger os seus interesses. Os bancos são agora a sua fortaleza - a proteger a todo o custo.
Os sucessivos governos têm vindo a descer de nível arrumando a moral e o respeito numa velha caixa no sótão com a ideia de nunca mais a abrir. E nós o que fazemos? Concordamos e aplaudimos. "Somos um povo sem tradição de conflito" dizem eles. Portugal sabe perceber que é necessário ser "apertado" - para nos manterem quietos, em rebanho, mas dentro do redil. E nós ficamos. Quietos. Com a expressão apática que é comum ao gado que vai para o abate. E vamos deixando que nos abatam.
A revolução dos cravos é, agora uma história que contamos aos nossos netos como se não tivesse acontecido aqui. Algumas realidades transformam-se em histórias mas algumas histórias acabam em realidade.
Portugal está à beira da aniquilação económica. A soberania portuguesa há muito que morreu e com ela, a nossa possibilidade de se desenvolver. Fomos vendidos por um governo que não sabe nem quer lidar com o elevado nível de corrupção porque ela, a corrupção, está em roda a parte. A diferença é que pode vir nos jornais - estamos em liberdade - mas nada acontece quando é posta a nu. A denuncia da corrupção é ignorada - comentada com horror, sim - mas esquecida quase imediatamente. É este o nosso "nobre povo". Somos nós.
Hoje celebra-se o 25 de Abril - o primeiro que vai ter algumas "ausências" na sua comemoração. Militares e ex-políticos recusam-se a participar nas comemoração do 25 de Abril por não concordarem com a política do actual governo - Hipocrisia! Também alguns deles consentiram e até promoveram esta situação. Enriqueceram obscenamente com o regime que criaram enquanto nós, batemos palmas e corremos para eles em época de eleições, estupidificados com a sua "nobreza de carácter".
Acreditar na recuperação deste país é de uma ingenuidade extrema. A soberania portuguesa já não existe. Estamos enfiados numa Europa podre onde o capital grita sobre as nossas cabeças e onde os políticos se unem em consenso para proteger os seus interesse económicos, aniquilando os povos e alienando a sua riqueza.
Há quem acredita que é necessário um "novo 25 de Abril" para endireitar o país. Não sei se acredite nisto, o que acredito é que alguma coisa tem de ser feita e depressa - mas desta vez... talvez não haja espaço para uma revolução de cravos.
Querem saber do que falo? Leiam ou releiam "O Triunfo dos Porcos" de George Orwell.